Monday, August 14, 2006

Os ataques do 'Pirata' (Ciclismo)

13 de Julho de 2000, Carpentras - Mont Ventoux, 149 km - 12ª etapa do Tour de France

Classificação:
1. Marco Pantani (Itá) Mercatone Uno-Albacom 4.15.11 (35.03 km/h)
2. Lance Armstrong (EUA) US Postal Service m.t.
3. Joseba Beloki (Esp) Festina a 0.25
4. Jan Ullrich (Ale) Team Deutsche Telekom a 0.29
5. Santiago Botero (Col) Kelme-Costa Blanca a 0.48
6. Roberto Heras (Esp) Kelme-Costa Blanca m.t.
7. Richard Virenque (Fra) Team Polti a 1.17
8. Francisco Mancebo (Esp) Banesto a 1.23
9. Manuel Beltran (Esp) Mapei-Quick Step a 1.29
10. Christophe Moreau (Fra) Festina a 1.31





A etapa que vou comentar é uma das que mais me marcou como adepto do Ciclismo, é uma etapa onde o esforço, determinação e espírito de sacrifício de um ciclista prevaleceram até à merecida vitória final. Marco Pantani - o ciclista mais espetacular e o melhor trepador que vi correr, um dos ciclistas mais amados pelos adeptos (algo que não se conquista por acaso) - insistiu persistentemente na vitória desta etapa, quando parecia derrotado voltava a insistir e perto do final só Lance Armstrong aguentou o seu ritmo e o acompanhou até à meta, onde pareceu condescender na vitória do 'Pirata' (algo que magoou e feriu o orgulho de Pantani). Contudo, as principais qualidades que tornaram Marco Pantani um ciclista mítico sobressaíram nesta etapa como só voltaria a acontecer três dias depois, no último brilho do 'Pirata', uma etapa a que também irei fazer referência.

O Tour de 2000 proporcionava o esperado duelo entre os três principais ciclistas que tinham marcado as últimas épocas do Tour. Marco Pantani, Jan Ullrich e Lance Armstrong tinham vencido as últimas três edições do Tour de France mas era a primeira vez que se defrontavam. Ullrich e Pantani já tinham efectuado duelos interessantes nas edições de 1997 e 1998 - enquanto Armstrong lutava contra um cancro -, com predominância na montanha para Pantani e no contra-relógio para Ullrich, cada um tinha vencido uma vez.

Marco Pantani (13-01-1970) foi, em 1998, o primeiro trepador nato a vencer o Tour após mais de duas décadas de vitórias de contra-relogistas que se aguentavam bem nas montanhas, derrotou Ullrich de forma incontestável com uma superioridade tal que nem os seus resultados nos contra-relógios o podiam derrotar (onde perdeu no total 7 minutos e 39 segundos para Ullrich), num ano em que tinha vencido também o Giro d'Italia. Já era, no entanto, um ciclista consagrado, no seu segundo Giro, em 1994, terminou na segunda posição atrás de Evgeni Berzin e à frente de Miguel Induráin, depois de nas primeiras etapas de montanha ter perdido tempo a tentar ajudar o seu chefe-de-fila Claudio Chiappucci, no mesmo ano termina em terceiro no Tour e vence a classificação da Juventude. No ano seguinte não participou no Giro devido a um acidente, no Tour vence duas etapas de montanha e volta a ser o primeiro da classificação da Juventude, consegue ainda a medalha de bronze no Campeonato do Mundo. No final deste ano cai na clássica Milano-Torino partindo a perna em dois sítios, chegou-se a falar que seria o final da sua carreira. Voltou à competição no Giro de 1997, mas caiu derrubado por um gato preto, abandonou a prova e regressou no Tour onde vence mais duas etapas de montanha (estabelecendo o recorde de subida do Alpe d'Huez) e termina em terceiro penalizado pelos seus resultados nos contra-relógios. Depois do seu ano de glória, em 1998, e quando parecia que os bons tempos não tinham terminado, é desclassificado do Giro de 1999, a faltar disputar apenas uma etapa de montanha e com a prova a seus pés (com quatro vitórias em etapas e todos os rivais a considerável distância), após suspeita de uma elevada taxa de glóbulos vermelhos no sangue (nunca provada). O seu regresso deu-se no Giro do ano 2000 onde decidiu participar apenas no dia anterior, não fez uma competição impressionante, mas foi determinante na vitória final do seu companheiro de equipa Stefano Garzelli.

Jan Ullrich (02-12-1973) correu o seu primeiro Tour em 1996 e logo se revelou um prodígio do Ciclismo, ajudou o seu chefe-de-fila (Bjarne Riis) a vencer a competição e ainda conseguiu ser segundo vencendo obviamente a classificação da Juventude. No ano seguinte vence o Tour, triunfando num contra-relógio com 3 minutos de vantagem sobre o segundo classificado (o único na história do Tour), mostrando que era um ciclista notável e tinha chegado para marcar uma época no Ciclismo, com uma idade muito jovem não deixava dúvidas que era o ciclista com mais capacidades do pelotão internacional, era um contra-relogista de referência e um trepador com uma cadência muito forte e regular, desde aí deixou sempre a sensação que esta não seria a sua única vitória no Tour. No ano seguinte perde o Tour para Pantani, depois deste ter encetado uma fuga impressionante numa etapa de montanha em condições adversas, parecia que o talento de Ullrich ainda estava acompanhado de alguma inexperiência, contudo, fica em segundo e vence pela terceira vez consecutiva a classificação da Juventude. Em 1999, não participa no Tour devido a lesão, participa na Vuelta a España e vence naturalmente, nesse ano vence também o Campeonato do Mundo de contra-relógio, competição onde já tinha sido terceiro em 1994 (!). O ciclista com mais potencialidades da actualidade não era um ciclista que se preparasse para as provas nas melhores condições, este ano não foi excepção e muito se falou do peso e saúde de Ullrich antes do Tour, no entanto, não era prudente menosprezá-lo.

Lance Armstrong (18-9-1971) vinha de uma vitória no Tour, numa prova em que tinha vencido 4 etapas deixando Alex Zülle a mais de 6 minutos (aproximadamente o tempo ganho após uma queda em que cerca de metade do pelotão fugiu aos restantes), contudo, ainda tinha algo a provar, pois, o facto de ter mostrado que era um excelente ciclista não era suficiente para Lance, tinha que ser o melhor e para ser o melhor tinha que derrotar os melhores. Começou a sua carreira de atleta no Triatlo, onde com 14 anos já competia com adultos, aos 17 anos opta pelo Ciclismo afirmando que se não se tornasse o melhor da modalidade trocaria por outra onde o fosse. É curioso que na sua primeira prova como profissional, a Clasica de San Sebastian de 1992, terminasse na última posição – não foi certamente um prenúncio da sua carreira. No ano seguinte, com 22 anos, vence o Campeonato do Mundo (enquanto Ullrich vence a prova de amadores) isolado depois de ter vencido uma etapa do Tour, neste seu início de carreira parecia talhado para disputar clássicas de um só dia. Em 1995 vence outra etapa no Tour e a Clasica de San Sebastian! Começa bem o ano de 1996, mas desiste do Tour e é uma desilusão nos Jogos Olímpicos, no entanto, o pior ainda estava para vir: é-lhe diagnosticado um cancro. Só regressa no final de 1998, mas regressa forte, começa por apresentar-se finalmente como um ciclista preparado para disputar as grandes Voltas, vence a Volta ao Luxemburgo e fica em 4º na Vuelta a España e nos Campeonatos do Mundo de estrada e contra-relógio. O trabalho e a preparação para as competições eram a base do seu sucesso.

Antes da 12ª etapa Marco Pantani era 24º e já tinha perdido muito tempo (10 minutos e 34 segundos) - talvez devido à sua pouca preparação no regresso à competição - para o líder da classificação geral, Lance Armstrong, repartido por contra-relógios e um mau início nas etapas de montanhas (perdeu 5 minutos e 10 segundos na 10ª etapa), Ullrich era segundo e estava a 4 minutos e 14 segundos (3 minutos e 19 segundos na 10ª etapa). O esperado duelo de “Titãs” parecia condenado à superioridade de Armstrong e a emoção ameaçava escassear, mas o melhor ainda estava para acontecer.

A 12ª etapa era a etapa-raínha desta edição do Tour e terminava no austero Mont Ventoux - Col de Murs (Cat. 2, ao 41.5 km, com 10.3 Km e 4% de inclinação), Côte de Javon (Cat. 2, ao 75 km, com 7.6 km e 3.7% de inclinação), Col de Notre-Dame-des-Abeilles (Cat. 2 ao 99 km, com 7.8 km e 4% de inclinação), Côte de Mormoiron (Cat. 4, ao 118 km, com 1.8 Km e 5.8% de inclinação) e final no Mont Ventoux (Cat. HC ao 149 km, com 21 km e 7.6% de inclinação). A primeira fuga ao pelotão deu-se quase no início da etapa, Jens Voight inicia as hostilidades e é seguido por Erik Dekker - dois dos ciclistas mais combativos do pelotão. A Deutsch Telekom começa a marcar um ritmo muito elevado no pelotão e com apenas 10 kms percorridos já o pelotão estava dividido em dois, cerca de 40 na frente perseguidos por cerca de 120 a 10 segundos. A recuperação é efectuada pela Kelme que ao Km 15 consegue reunir o pelotão. Depois de apanhados os fugitivos as principais equipas lançam os seus "iscos" para desgastar a US Postal Service, equipa de Armstrong, para que este se encontre sozinho na subida final, Hincapie, Hamilton, Livingston e Ekimov marcavam o ritmo e neutralizavam os ataques. Na primeira dificuldade do dia, o Col de Murs, Christophe Agnolutto ataca, o primeiro a encetar uma perseguição é Santiago Botero, depois segue-o Pascal Hervé. Junta-se um grupo de 8 ciclistas na perseguição a Agnolutto, apanham-no antes do pico. O pelotão nunca iria dar muita vantagem a este grupo, pois dele constavam Botero e Nico Mattan, bem posicionados na classificação geral. A maior vantagem que o grupo adquire é de um pouco menos de 5 minutos, mas quando a Banesto toma a frente do pelotão para preparar um ataque de José Maria “Chaba” Jimenez, a distância começa a encurtar.

Nesta etapa, apenas na subida final, estavam cerca de 300.000 pessoas a assistir à corrida, alinhavam-se cerca de 75.000 veículos junto à estrada, muitas pessoas dormiram no local para assistir ao espectáculo. Afinal de contas todo se resume a estes 21 kms finais, o resto é desgaste e selecção. No início da subida para o Mont Ventoux é ainda a Banesto que trabalha para Jimenez, no grupo da frente Agnolutto tenta isolar-se, mas falha o seu objectivo. A US Postal segue para a frente do pelotão com Hamilton e Livingston (os habituais últimos redutos de ajuda a Armstrong), levam consigo o seu chefe-de-fila, enquanto os outros favoritos se tentam posicionar o melhor possível. O pelotão tinha agora menos de 40 ciclistas e começava a apanhar alguns dos fugitivos, enquanto perdia membros que não aguentavam o ritmo. Quando no grupo da frente Vinokourov lança o seu ataque Botero responde e deixa o casaque para trás, mas a vantagem para o grupo então liderado por Hamilton era agora de apenas 16 segundos. Com Hamilton seguem apenas Livingston, Armstrong, Ullrich, Beloki e Virenque, Pantani estava a ceder e quando Hamilton acaba o seu trabalho cedendo a tarefa de levar Armstrong a Livingston, apenas Botero ainda não havia sido passado pelo grupo. Heras, Jalabert, Vinokourov e um Pantani em visível esforço ainda conseguem recuperar, mas Jalabert e Vinokourov cedo voltam a ceder, quando Botero tinha já perdido a vantagem.

A 10 km para o final Heras ataca e é Armstrong o primeiro a responder, Virenque, Ullrich, Botero e Beloki acompanham-no enquanto Pantani fica para trás. Os homens da frente parecem estar a controlar-se mutuamente e Pantani volta a juntar-se-lhes, numa altura em que é Ullrich que segue na frente e protesta por não ter a ajuda de Beloki que segue na sua roda. Quando Ullrich, com Armstrong calmo imediatamente atrás, estica o grupo Pantani rapidamente perde 24 segundos - a subida torna-se cada vez mais inclinada. A 7 km do final é a vez de Beloki tentar a sua sorte, Virenque segue-o, enquanto Armstrong está agora na cauda do grupo e Pantani recupera para apenas 6 segundos de desvantagem. Quando Pantani recola, “descansa” atrás dos adversários durante 30 segundos, e lança um ataque, não tem sucesso, mas fica a marcar um ritmo elevado no grupo, Virenque fica em dificuldades. Com apenas 5 km para a meta, numa inclinação mais acentuada, Pantani lança novo ataque e Virenque cede, os outros aguentam e quando o francês está a recolar ao grupo Pantani volta a tentar isolar-se, sem resultados práticos, mas é o final de Virenque junto dos primeiros.

Ullrich toma a dianteira e tenta impor o seu ritmo no grupo, mas Pantani não desiste e depois de muitas perdas e recuperações, ataques e capturas, o que certamente lhe causou um desgaste enorme, lança novo ataque e desta vez ninguém esboçou reacção para o seguir. Armstrong estava concentrado em Ullrich. Botero, que tinha feito parte do grupo de fugitivos, consegue chegar-se a Pantani, mas o italiano não quer companhia e volta a deixar Botero para trás. Lá atrás Armstrong está em 4º do grupo, mas apercebe-se que para Ullrich não ter reagido ao ataque do ‘Pirata’ é porque não estava nas melhores condições, e lança daí a sua fuga, passa rapidamente por Botero e persegue Pantani até o alcançar. O líder do Tour vai para a frente, diz qualquer coisa a Pantani, que o tinha ajudado a expor algumas fraquezas de Ullrich, e segue com este na sua roda. Armstrong levanta-se da bicicleta Pantani acompanha-o, mas desta vez apenas está em condições de segui-lo. Ullrich tenta chegar-se aos da frente, levando consigo Beloki e Heras. Pantani coloca-se na frente mas não ataca, vai apenas para cooperar com Armstrong. Armstrong ainda tenta lançar um ataque conseguindo vantagem de alguns metros, mas Pantani recupera claramente em sofrimento. A meta aproximava-se e estava logo após uma ligeira subida, Pantani coloca-se na frente e sem oposição por parte de Armstrong vence a etapa. Pareceu ser um acto de cavalheirismo do americano que reconheceu Pantani como um justo vencedor e não se opôs à sua vitória na etapa.

Era o dia do aniversário da morte do ciclista britânico Tom Simpson no Mont Ventoux, 33 anos depois era aí que parecia renascer Marco Pantani. A etapa ficará conhecida como aquela em que Armstrong ofereceu a vitória a Pantani, mas recordar-me-ei dela como a etapa em que um ciclista venceu merecidamente uma etapa em que lutou até ao final nunca se resignando, apesar de ter passado por dificuldades várias vezes, lutou praticamente até ao limite das suas forças e conseguir o seu objectivo. Não tenho memória de outro vencedor de etapa como Pantani em 2000 no Mont Ventoux, com tantas perdas e tantos ataques.

12ª Etapa, Carpentras - Mont Ventoux, 149 km
1. Marco Pantani (Itá) Mercatone Uno 4.15.11
2. Lance Armstrong (EUA) US Postal Service m.t.
3. Joseba Beloki (Esp) Festina a 0.25
4. Jan Ullrich (Ale) Team Deutsche Telekom a 0.29
5. Santiago Botero (Col) Kelme-Costa Blanca a 0.48

Classificação Geral
1. Lance Armstrong (EUA) US Postal Service 48.50.21
2. Jan Ullrich (Ale) Team Deutsche Telekom a 4.55
3. Joseba Beloki (Esp) Festina a 5.52
4. Christophe Moreau (Fra) Festina a 6.53
5. Manuel Beltran (Esp) Mapei-Quick Step a 7.25
6. Richard Virenque (Fra) Team Polti a 8.28
7. Roberto Heras (Esp) Kelme-Costa Blanca a 8.33
8. Francisco Mancebo (Esp) Banesto a 9.42
9. Javier Otxoa (Esp) Kelme-Costa Blanca a 9.46
10. Peter Luttenberger (Áus) O.N.C.E.-Deutsche Bank a 10.01
11. Laurent Jalabert (Fra) O.N.C.E.-Deutsche Bank a 10.14
12. Marco Pantani (Itá) Mercatone Uno-Albacom a 10.26

Mont Ventoux


Passaram duas etapas em que os favoritos não se distanciaram muito uns dos outros. A primeira foi uma etapa sem grandes montanhas (apenas três de 4ª categoria) ganha por Vicente Garcia-Acosta, que fugido do pelotão, onde estavam todas as principais figuras, ganhou mais de 10 minutos. A segunda foi uma etapa de alta montanha, com chegada a Briançon, brilhantemente ganha por Santiago Botero, Pantani tentou novamente fugir aos rivais, como no Mont Ventoux apenas Armstrong o acompanhou, mas acabaram capturados pelos perseguidores, no final Pantani acabou por ganhar apenas 5 segundos a Armstrong e Ullrich.



A 15ª etapa tinha poucas subidas, mas bastante duras - Col du Galibier (HC, ao km 33, com 8.4 Km e 6.9% de inclinação), Col de la Madeleine (HC, ao Km 110.5, com 19.3 km e 8% de inclinação) e final no Courchevel (Cat. 1, ao km 173.5, com 17.3 km e 8.1% de inclinação) – pontos míticos do Tour. Antes da etapa começar Armstrong dizia-se confiante da sua condição e que seria um dia ideal para uma vitória de Pantani. Chegou-se ao Galibier em pelotão, mas com as principais figuras na frente, esta não era uma altitude para “matar” mas para “moer”. No Col du Telegraph (4,9 Km com 4% de inclinação), Salvatore Commesso seguia isolado seguido por 7 perseguidores (entre eles Javier Otxoa e José Maria Jimenez), no pelotão os favoritos guardavam os seus trunfos para mais tarde. Na subida para o Col de la Madeleine é a Deutsche Telekom (equipa de Ullrich) quem faz as despesas da corrida, começando a fazer estragos, mesmo entre alguns dos ciclistas melhor cotados, a 8 Km do topo Santiago Botero ataca já só restando quatro fugitivos à sua frente. Maximiliano Lelli passa em primeiro no Col de la Madeleine, no mesmo grupo de Otxoa, Jimenez e Daniele Nardello, Botero segue-os a 48 segundos e o grupo dos favoritos, já só com 10 ciclistas, passa 1 minuto e 38 segundos após os primeiros, comandado por Pascal Hervé (Polti) que pretende ajudar o seu líder Richard Virenque. O grupo do camisola amarela aumenta na descida, mas as mazelas da subida ficaram.

Sem terreno plano após a descida da Madeleine, Botero (Kelme) inicia a subida para o Courchevel junto do grupo da frente, onde já ia o seu companheio de equipa Otxoa, o grupo principal, com cerca de 20 ciclistas, é agora liderado pela Mercatone Uno (equipa de Pantani), havendo ainda um grupo intermédio de 5 ciclistas. Na frente Botero ataca, Nardello acompanha-o e Jimenez também consegue aguentar o ritmo. No grupo de Armstrong, com cerca de 14 km para correr, Pantani ataca e apenas Armstrong e Virenque o conseguem acompanhar, Ullrich começa a perder terreno, não demora muito até que ultrapassem os fugitivos e Pantani e Armstrong se distaciem de Virenque, lá atrás Ullrich perde cada vez mais o ritmo e é deixado para trás por Moreau e Beloki. Armstrong e Pantani ganham a companhia de Heras e vão passando quem ainda seguia em posição intermédia, aproximando-se cada vez mais do grupo da frente, Ullrich luta para não perder muito tempo. Na frente Jimenez ataca e deixa para trás primeiro Botero e depois Nardello. Não demorou muito para que Pantani encetasse mais uma das suas fulgurantes arrancadas a que é muito difícil resistir, desta vez nem Armstrong acompanha o seu ritmo, seguindo com Heras e Botero. Ao ritmo a que seguia aguardava-se que a qualquer momento conseguisse ultrapassar Jimenez, consegue-o fazer pouco tempo depois, atrás é Heras quem puxa pelo camisola amarela e Ullrich segue num grupo recuado.

A 1 km para o final Pantani segue isolado entre a multidão para conquistar mais uma etapa desta vez com um fulgor mais impressionante que no Mont Ventoux, quando acontece uma das situações mais caricatas do Tour: Pantani é surpreendentemente seguido de perto por um ciclista da Kelme, depois de ter deixado todos para trás sem hipótese de o voltarem a apanhar, olha surpreso e começa a sprintar, no entanto, era apenas um adepto da equipa espanhola que equipado a rigor tinha passado a segurança e tentava apanhar o ‘Pirata’, mas neste dia isso não seria possível, o intruso foi parado por uma das motos da organização, mas tal não seria necessário. Jimenez que tinha sido passado a 2 Km do final perdeu 41 segundos para um ‘Pirata’ que não procurava reféns e assim que apanhava um fugitivo logo o deixava para trás sem misericórdia. Pantani tinha provado que não precisava de favores para vencer as principais etapas do Tour.

Pantani que subiu à 6ª posição, no final da etapa disse: “Hoje na última subida penso que dei um passo em frente, agora estou com os melhores. (...) Senti-me bem mas não sublime neste Tour, estou forte mas não realmente afinado. (...) Armstrong disse-me para trabalhar com ele hoje, senti-me bem e fi-lo.”

15ª Etapa Briançon - Monteé du Courchevel, 173.5 km
1. Marco Pantani (Itá) Mercatone Uno-Albacom 5.34.46
2. José Maria Jimenez (Esp) Banesto a 0.41
3. Roberto Heras (Esp) Kelme-Costa Blanca a 0.50
4. Lance Armstrong (EUA) US Postal Service m.t.
15. Jan Ullrich (Ale) Team Deutsche Telekom a 3.21

Classificação Geral
1. Lance Armstrong (EUA) US Postal Service 66.38.09
2. Jan Ullrich (Ale) Team Deutsche Telekom a 7.26
3. Joseba Beloki (Esp) Festina a 7.28
4. Christophe Moreau (Fra) Festina a 8.22
5. Roberto Heras (Esp) Kelme-Costa Blanca a 8.25
6. Marco Pantani (Itá) Mercatone Uno-Albacom a 9.03

Courchevel


Na 16ª etapa, Courchevel-Morzine, depois de um dia de descanço, Pantani que não se dava por satisfeito com o alcançado - só a vitória final o satisfazia ou a luta até não conseguir mais –, após já ter sido vítima de uma queda, atacou muito cedo (a 120 km da meta) querendo anular a desvantagem que ainda tinha, perante uma montanha de 1650 metros de altitude, com 15,1 Km de distância e 6,5% de inclinação, Pantani pareceu ver a oportunidade de fazer história, atacou, alguns ciclistas tentaram segui-lo sem sucesso, rapidamente ultrapassou um par de fugitivos. Como a US Postal Service não se podia dar ao luxo de ver Pantani ganhar muito tempo encetou uma rigorosa perseguição. Pantani viria a ser apanhado, mas a US Postal e Armstrong pagariam o esforço da perseguição. Numa etapa em que Virenque venceu, Ullrich pela primeira vez conseguiu recuperar tempo (1 minuto e 37 segundos) a Armstrong, Pantani não aguentou o esforço da ousadia e da queda perdendo 13 minutos e 20 segundos para Ullrich, caiu para a 14ª posição. Pantani desistiu antes do início da 17ª etapa, saiu derrotado pelas mazelas da 16ª etapa, da desistência disse: "Não podia ir mais longe. Estou completamente vazio". O esperado duelo tinha chegado ao fim, restavam Armstrong e Ullrich.

Depois de alguns dias de trocas de elogios e cordialidade entre Pantani e Armstrong as relações entre os dois ciclistas azedaram. A impressa continuava a insistir que na etapa do Mont Ventoux Armstrong tinha oferecido a vitória a Pantani, o ciclista italiano recusava-se a aceitar tal coisa, apesar de Armstrong se mostrar o ciclista mais forte dessa etapa, se a vitória lhe tinha sido oferecida não o deveria ter sido, era uma mancha que Pantani não queria no seu currículo. Acerca do assunto Pantani disse: "Talvez ele tenha sido surpreendido com o final porque não havia faixa devido ao vento? Não sei. De qualquer forma, ele não deve esperar que eu retribua o favor". Quando Pantani desistiu Armstrong não se mostrou desapontado e afirmou: "O 'Elefantino' foi para casa... ele não é meu irmão. Nunca esquecerei o que ele fez.", numa clara referência ao trabalho de Pantani no Mont Ventoux! 'Elefantino' (pequeno elefante em italiano) era uma alcunha do início da carreira de Pantani, que este nunca tinha gostado, era assim chamado devido ao tamanho das suas orelhas. Foi dito que Pantani não estava doente na 16ª etapa, como afirmava, mas exausto e já não aguentava mais, por isso atacou para dar um último trabalho a Armstrong, Johan Bruyneel, director desportivo da US Postal, defendeu isso mesmo: "Não compreendo como ele podia atacar todo o dia. Ele não atacou para ganhar a etapa ou melhorar a sua classificação, mas apenas para atrapalhar a US Postal". Se isto for verdade, então, planeou uma saída com um último esforço digno, em vez de se andar a arrastar de forma penosa.

Na única vez que estes históricos ciclistas se defrontaram foi Armstrong quem levou a melhor e venceu, mas foi Pantani quem deu espetáculo. Ullrich ficou na sombra.

Classificação Final
1. Lance Armstrong (EUA) US Postal Service
2. Jan Ullrich (Ale) Team Deutsche Telekom a 6.02
3. Joseba Beloki (Esp) Festina a 10.04
4. Christophe Moreau (Fra) Festina a 10.34
5. Roberto Heras (Esp) Kelme-Costa Blanca a 11.50
6. Richard Virenque (Fra) Team Polti a 13.26
7. Santiago Botero (Col) Kelme-Costa Blanca a 14.18
8. Fernando Escartin (Esp) Kelme-Costa Blanca a 17.21
9. Francisco Mancebo (Esp) Banesto a 18.09
10. Daniele Nardello (Itá) Mapei-Quick Step a 18.25

A vitória no Courchevel seria a última conquista dos topos por parte do ‘Pirata’, mas atrás de si estava já um currículo impressionante que levou os críticos a considerá-lo o melhor trepador de todos os tempos. Foi a sua quinta participação no Tour e a sua oitava vitória em etapas de montanha, cada uma mais impressionante que a outra, foi aplaudido por adversários ao ultrapassá-los, deixou os melhores pregados às suas bicicletas, venceu duas vezes no Alpes d’Huez, venceu no Mont Ventoux, venceu no Monteé du Courchevel, deixou ainda a sua marca triunfante no Guzet Neige, no Col de la Madeleine, no Col du Galibier, em Les Deux Alpes, entre tantos outras temíveis montanhas. Detém ainda os três melhores tempos da mítica subida ao Alpes D'Huez, e nem o contra-relógio de montanha em 2004 (vencido por Armstrong) foi suficiente para destronar qualquer dos tempos do ‘Pirata’.

O brilho do ‘Pirata’ tinha chegado ao fim, ainda que ele o negasse a si próprio, sempre com a esperança de voltar à ribalta. Teve aparições fugazes em 2001 e 2002, encontrando-se agastado com as suspeitas de doping, em 2003 participa no Giro e apesar de não ter vencido qualquer etapa classifica-se bem nas etapas de montanha. Em Junho desse ano interna-se numa clínica no Norte de Itália, estava deprimido, nunca viria a recuperar a alegria de viver. Faleceu a 14 de Fevereiro de 2004 devido a uma overdose de cocaína, sentia-se injustiçado, humilhado e perseguido pelo mundo do Ciclismo que o pressionou durante quatro anos com acusações de doping sem conseguir provar as alegações, nos últimos anos passava mais tempo em tribunais que em competições. Foi abandonado pelos “políticos”, mas os adeptos sempre o amaram. Miguel Induráin disse sobre Pantani: “Prendeu as pessoas ao desporto (n.d.a. Ciclismo). Podem ter havido ciclistas que alcançaram mais que ele, mas nunca conseguiram conquistar os fãs como ele o fez”.

Arrivederci Marco, viverás sempre nas minhas memórias!

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Wednesday, May 31, 2006

Lutar e sofrer em Berna (Futebol)

31 de Maio de 1961, Estádio Wankdorf em Berna (Suíça)
SL Benfica 3-2 CF Barcelona

Árbitro: Dienst (Suíça)
SL Benfica: Costa Pereira; Mário João e Ângelo; Neto, Germano e Cruz; José Augusto, Santana, Águas (cap.), Coluna e Cávem. Treinador: Bela Guttmann
Barcelona CF: Ramallets; Foncho e Gracia; Vergés, Gensana e Garay; Kubala, Kocsis, Evaristo, Suarez e Czibor. Treinador: Orizaola
Golos: 0-1 Kocsis (20’), 1-1 Águas (30’), 2-1 Vergés (pb, 32’), 3-1 Coluna (55’), Czibor (75’).

Faz hoje 45 anos que o Sport Lisboa e Benfica venceu a sua primeira Taça dos Clubes Campeões Europeus e assim se tornou um dos primeiros clubes a inscrever o seu nome entre os grandes clubes mundiais. É com o jogo final desta brilhante campanha europeia que início a rúbrica do 1001Desportos sobre jogos históricos.

O Barcelona CF apresentava-se na final como claro favorito depois de ter eliminado a grande equipa do Real Madrid CF, que tinha vencido as 5 edições anteriores da Taça, numa eliminatória muito polémica, o Barcelona CF tinha vencido também as duas edições já realizadas da Taça das Cidades com Feira. A equipa espanhola contava com um ataque dos mais fortes da história do futebol, contando com os geniais húngaros Kubala, Kocsis e Czibor, o brasileiro Evaristo e o espanhol Luiz Suarez. Do lado do SL Benfica a peça mais importante era o seu carismático treinador, o húngaro Bela Guttmann, ele estruturou uma equipa muito organizada em que o colectivo é que vencia os jogos, incutiu uma mentalidade vencedora nos jogadores que fez com que jogassem com muita “garra” e nunca desistissem do jogo, na história do futebol europeu (UEFA) ainda não se tinha visto uma equipa onde o treinador fosse tão importante para a equipa e talvez só voltasse a acontecer de forma tão explícita cerca de 60 anos depois. Cabia ao SL Benfica tentar contrariar o favoritismo do adversário que representava o domínio do futebol espanhol de clubes na Europa, o Barcelona CF sentia que a vitória já era sua depois de ter eliminado o poderosíssimo Real Madrid CF e até ofereceu ao SL Benfica, antes do jogo, uma Taça que seviria de prémio de consolação para a equipa portuguesa.


O jogo começou com ambas as equipas a tentarem sair para o ataque ainda que de forma algo atabalhoada, mas aos 3 minutos o ataque do Barcelona CF conduziu uma boa jogada que foi parar à esquerda do seu ataque onde Czibor efectuou um cruzamento para o centro da área onde depois de um corte de Germano um dos seus avançados efectuou um pontapé de bicicleta salvo por Mário João sobre a linha de golo. Seguiu-se um período de equilíbrio onde as equipas mostravam mais vontade que qualidade para chegar ao golo e as ocasiões de golo naturalmente não surgiam apesar do esforço de ambas as equipas, apenas se registaram sem perigo remates de Suarez e Coluna. Até que a cerca dos 10 minutos de jogo aconteceu algo que lançou o pânico entre as hostes portuguesas, após um choque de cabeças Coluna (o organizador do jogo do SL Benfica) fica estendido inanimado no chão tendo que sair do terreno de jogo ajudado pela equipa médica e Cávem, como na altura não haviam substituições o SL Benfica ficou a jogar com 10 contra o poderosíssimo Barcelona CF. O próximo lance de perigo surgiu num remate frontal de fora da área por Evaristo. Três minutos após ter saído Coluna regressa ao jogo. Após um período algo adormecido de jogo volta a acontecer perigo junto de uma das balizas com Kubala a desmarcar Kocsis para esta rematar à figura de Costa Pereira, o SL Benfica responde com um lance de perigo dentro da área adversária mas que termina sem um remate à baliza, seguindo-se pouco tempo depois novo lance de perigo por parte da equipa portuguesa com um cruzamento de Coluna na direita para a cabeça de Águas que à entrada da área rodeado por dois adversários cabeceia acabando a jogada nas mãos de Ramallets, foi um período de curto domínio benfiquista. A isto seguiu-se a melhor jogada do encontro até aí com a bola a passar por vários jogadores na direita do ataque do Barcelona CF e culminou com o cruzamento de Suarez para o golo de cabeça de Kocsis depois da bola ter sobrevoado a defesa benfiquista. O SL Benfica respondeu com um cruzamento perigosíssimo de Cávem para a área onde Águas não conseguiu desferir o cabeceamento. Após uma fase mexida de bola cá bola lá o Barcelona CF tem mais uma jogada de grande perigo onde as triangulações do seu ataque levam a um remate de Evaristo para uma grande defesa de Costa Pereira, o SL Benfica passou por momentos de algum sufoco junto da sua área após este lance. Quando se libertou da pressão do Barcelona CF, que procurava o segundo golo, lançou um contra-ataque com Coluna a desmarcar pela esquerda Cávem que remata à saída de Ramallets a bola ainda não se dirigia para a baliza até que surgiu Águas oportunista a empurrar a bola para o golo, o SL Benfica tinha conseguido surpreender o Barcelona CF e a equipa animada continuou a atacar, até que surgiu certamente um dos golos mais estranhos das finais europeias depois de um cruzamento central de Neto para a área do Barcelona CF Vergés corta de cabeça a bola descreve um arco acentuado para a sua baliza onde Ramallets vai tocar a bola contra o poste esta entra na baliza e sai imediatamente deslizando sobre a linha de golo, Santana ainda vai perseguir a bola para tentar marcar golo mas o árbitro já tinha assinalado golo do SL Benfica face aos protestos dos barcelonistas que inconformados alegavam erradamente que a bola não tinha entrado, em 2 minutos o SL Benfica tinha virado o jogo a seu favor . A partir daí o SL Benfica continuou a ser a melhor equipa em campo e conseguia manter quase exclusivamente o jogo no meio-campo adversário e todas as tentativas do Barcelona CF caíam aos pés de Germano ou na falta de eficácia dos seus jogadores, até que já perto do intervalo a equipa espanhola consegue entrar na área benfiquista e Suarez cruza para o mergulho de cabeça de Kocsis e com Costa Pereira já batido é novamente Mário João que salva o golo, desta feita com a coxa. A resposta surgiu pouco depois por José Augusto, naquele que foi o único esforço em que mostra a sua classe, ilude o seu adversário com uma finta e consegue penetrar na área rematando já apertado para a defesa de Ramallets. O intervalo chegou com o SL Benfica em vantagem no marcador num jogo equilibrado e que apesar de nem sempre bem jogado estava movimentado e emocionante, o resultado beneficiava a equipa que tinha sido bafejada com um pouquinho mais de sorte, castigando a equipa que jogou com mais rispidez.

O SL Benfica inicia a segunda parte ao ataque e depois de um cruzamento longo para a área Águas ganha uma bola de cabeça aos defesas e guarda-redes do Barcelona CF deixando à disposição do pé esquerdo de Santana mas o remate saiu desajeitado ao lado. No seguimento o Barcelona CF obrigou o SL Benfica a defender com toda a equipa no seu meio-campo, algo que soube fazer bem. Contudo o SL Benfica não se manteve uma equipa defensiva e continuava a tentar criar as suas ocasiões de golo. Num outro lance de ataque da equipa espanhola Mário João volta a cortar um lance em que a bola se dirigia para a baliza e na recarga a bola cai nas mãos de Costa Pereira. A pressão sobre o SL Benfica continuava sem que os jogadores portugueses perdessem a orientação e pouco tempo depois Santana desmarca José Augusto para um remate forte mas muito por cima. Coluna iniciou poderosíssimo uma jogada de ataque passa para o cruzamento de Cávem, a bola é cabeceada por um defesa do Barcelona CF para fora da área onde Coluna sem deixar a bola cair no chão remata potentíssimo para o canto inferior direito da baliza de Ramallets, ele que já nesta parte tinha ameaçado com um disparo para fora fez um golo muito belo. Notava-se na alegria dos jogadores benfiquistas e na festa que os portugueses faziam no estádio e em todo o Império que a vitória já se sentia nos seus corações, depois de tudo o que se timha passado até então com o SL Benfica a conseguir realizar um grande jogo e quase a conseguir neutralizar o adversário o impensável no início da época já era visto como uma realidade, no entanto muito estava ainda para acontecer e os rasgos de brilhantismo da equipa espanhola poderiam surgir a qualquer momento, esses corações iriam sentir ainda muitos apertos. E isso provou-se na jogada imediata ao golo com Kubala a aparecer livre de marcação na direita do seu ataque e a desferir um grande remate para grande defesa de Costa Pereira. Mas por momentos ainda continuou a ser o SL Benfica a dominar o jogo e depois de mais uma boa jogada de ataque Santana rematou de fora da área em arco por cima da baliza, passado pouco tempo novo remate do mesmo jogador desta feita numa recarga dentro da área mas fraco à figura do guarda-redes. Depois de o SL Benfica não ter conseguido arrumar definitivamente a questão foi a vez do Barcelona CF ter o domínio do jogo sem contudo materializar em ocasiões de golo, o SL Benfica continuava a defender muito bem. Até que a cerca de 20 minutos do final uma bola é bombardeada para a área do SL Benfica e o cabeceamento de Germano é efectuado em chapéu para trás sobre o seu guarda-redes parando na cabeça de Kocsis que atira ao poste, Ângelo é que acaba o sufoco cedendo canto. Passado poucos minutos Kubala remata forte de fora da área com a bola a ir embater nos dois postes e a ir parar nas mãos de Costa Pereira, quando os da Cidade Condal já festejavam golo. O SL Benfica tentava sacudir a pressão essencialmente através das investidas de Coluna que se mantinha incansável e continuava a carregar a equipa para a frente. Contudo o domínio dos de Barcelona acentuava-se procurando desesperadamente o golo que acabou por surgir num lance genial de Czibor a rematar de fora da área ao ângulo superior direito da baliza benfiquista sem que Costa Pereira tivesse qualquer hipótese, que ainda se atirou muito bem à bola, se este golo premiava as tentativas dos barcelonistas em chegar ao golo castigava mais injustamente o esforço defensivo dos benfiquistas. Este golo é certamente um dos mais belos marcados em finais europeias. O jogo continuou bom com ambas as equipas a criar perigo ao adversário, notava-se muito esforço por parte dos atacantes do SL Benfica para continuar a atacar a baliza contrária. Mas numa jogada de muita envolvência dos atacantes do Barcelona CF dentro da área do SL Benfica Kubala volta a rematar ao poste, apesar de continuar a jogar bem já se temia o pior entre os benfiquistas. As peças fundamentais do futebol benfiquista conseguiram manter-se tranquilas e iam queimando tempo com a bola nos pés dificultando a missão dos barcelonistas, estes quando tinham a bola nos pés eram rapidíssimos e tentavam a todo o custo criar ocasiões de golo, mas nas poucas vezes que o conseguiam deparavam-se com um Costa Pereira em grande forma ou um dos seus defesas a compensar o seu guarda-redes. O SL Benfica ainda dispôs de uma grande ocasião de golo com Santana a correr todo o meio-campo adversário isolado mas a faltarem-lhe as forças na altura do remate. Após esse lance o jogo caminhou para o seu final sem que o Barcelona CF conseguisse voltar a ameaçar a baliza benfiquista. Quando o árbitro suíço apitou para o final do jogo foi a loucura entre os portugueses, deu-se a pacífica invasão de campo e os jogadores fotram levados em ombros pelos adeptos. Tinha ganho a equipa que mais mereceu levar o troféu para casa.

A Águia voou alto na Europa!


O Mundo acabara de conhecer o poder futebolístico do SL Benfica, que tinha ganho com muito esforço e qualidade futebolística. O clube português trouxe as duas Taças para casa e tornou-se o primeiro clube a ser campeão europeu apenas com jogadores nacionais e o único até à vitória do FC Steaua Bucuresti em 1985/86, também contra o FC Barcelona. Quem não tinha ficado ainda convencido com a vitória benfiquista era o Barcelona CF, que alegava azar para ter sido derrotado e que tinha melhor equipa que o SL Benfica, para tirar dúvidas o SL Benfica aceitou disputar um jogo particular em casa do adversário, esse jogo terminou empatado 1-1 e foi o reconhecimento internacional do SL Benfica como melhor equipa da Europa na época 1960/61, a Taça que o SL Benfica tinha recebido do Barcelona CF antes do jogo de Berna ficou como símbolo desse reconhecimento, inclusive por parte do Barcelona CF.

A equipa do SL Benfica era constituída por duas partes: a parte da defesa e do meio-campo, composta por trabalhadores e a do ataque composta por artistas. Mário Coluna fazia a transição entre os trabalhadores e os artistas, pois pertencia a ambos sendo provavelmente o melhor nas duas funções. Os primeiros tinham como missão o jogo da equipa adversária e entregar aos restantes que tentariam então criar jogo para marcar golos. O grande destaque, peça fundamental e talvez mais importante da vitória do SL Benfica foi Mário João, este jogador foi um trabalhador incansável, nunca deu tréguas aos adversário, correu o jogo todo atirando-se a todos os lances com emoção, muitos foram os carrinhos, os cortes de cabeça deste baixo jogador e ainda salvou dois golos em cima da linha, ele que até este encontro tinha jogado apenas 5 vezes. Era admirável a sua determinação e entrega ao jogo, ao vê-lo jogar não seria de estranhar que os seus companheiros de equipa pensassem em ganhar o jogo para lhe dedicar a vitória. Para mim jogar à Benfica é jogar à Mário João. Outra peça fundamental na vitória do SL Benfica e sem a qual esta ainda mais dificilmente aconteceria foi Mário Coluna que conduziu muito bem o jogo do SL Benfica, marcou um golo fantástico e soube controlar o jogo quando foi necessário. Destaque ainda para Germano, na defesa onde era um dos melhores jogadores mundiais, e no ataque para Santana um jogador muito tecnicista. De referir ainda, por outro lado, que José Augusto não se encontrou nos seus melhores dias e ficou aquém das expectativas, raramente conseguindo superiorizar-se aos defesas do Barcelona CF. Sobretudo o que fez o SL Benfica ganhar o jogo foi o espírito de equipa. Foi uma vitória de uma equipa bem organizada e com espírito de sacríficio. O adversário também valorizou muito a vitória benfiquista, com a excelente equipa que tinha o Barcelona CF fez um grande jogo criando um rol imenso de oportunidades de golo.

A questão a colocar no final do jogo era se teria sido uma vitória casual e esporádica de uma equipa combativa com muita qualidade no ataque mas com apenas um grande desequilibrador (Mário Coluna), mas no ano seguinte dois jovens jogadores (Simões e Eusébio), especialmente aquele ainda hoje considerado dos melhores futebolistas de sempre, vieram mostrar que este clube marcaria uma época no futebol europeu.

A primeira vez que vi o jogo não lhe dei o devido valor e apesar do seu significado vi-o como um jogo com falta de algumas qualidades, mas ao revê-lo vi para além dos passes falhados, de algumas jogadas inconsequentes e observei um jogo com muitos momentos bons e com jogadores que tinham verdadeiro espírito desportivo, davam o seu melhor em campo. Esta equipa com o seu esforço e dedicação conquistou mutitos admiradores pelo mundo, alargou a grandeza e glória do seu clube, ainda hoje ajuda a conquistar adeptos... como eu que sou um grande admirador da equipa de Futebol do SL Benfica 1960/61.

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Jogos Históricos

Inauguro na comunidade do 1001Desportos um novo blogue acerca de Jogos Históricos onde pretendo descrever jogos que tenham ficado para a História do Desporto. Espero que os meus companheiros de equipa no 1001Desportos me acompanhem e escrevam sobre grandes jogos históricos. Podemos seleccionar os jogos pela sua qualidade pelo seu significado ou uma razão especial que queiramos assinalar. É natural que surjam mais histórias de jogos de Futebol que das outras modalidades, pois esses são os que melhor estão guardados nas nossas memórias, no entanto espero que se escreva sobre grandes jogos de outros Desportos.

O mote está lançado!